Além do seu envio de dois quadros para o café A Brasileira do Chiado em 1925, António Soares colaborou também na mesma altura, tal como Eduardo Viana, na decoração pictórica do cabaret Bristol Club, empresa de curta duração integralmente entregue aos acertados cuidados do arquitecto Carlos Ramos e de uma plêiade de pintores e escultores modernos. Para aquele clube nocturno Soares pintou então uma melancólica cena de “Quarta-Feira de Cinzas” figurando um Pierrot e uma Colombina-garçonne estirados no chão entre adereços após a estúrdia da Terça-Feira Gorda de Carnaval.
O gosto mundano assim evidenciado ficou perdurando na memória do artista que, volvidos cerca de vinte anos, retomou o tema do Pierrot nesta obra intimista de singular liberdade pictórica quase gestual: a mancha indistinta comanda a composição, subordinando o desenho e elidindo os contornos. Uma análise mais atenta revela as formas de um Pierrot mascarado languidamente reclinado num cadeirão ocre de braços, cujo espaldar sustenta um tecido caído que se acorda diametralmente com a mancha de uma veste branca que pende a seus pés e envolve caixas cilíndricas de adereços, subtil apontamento de natureza-morta.